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sábado, 9 de junho de 2012

Metalinguagem em José Saramago e Ian McEwan

Este ensaio tem como objetivo analisar a intertextualidade e a metalinguagem entre o escritor português José Saramago, e, o escritor britânico Ian McEwan. Para este projeto compartilharemos a obra "A Viagem do Elefante" (José Saramago) e "Reparação" (Ian McEwan). Ambos autores contemporâneos, porém de nacionalidades diferentes


Músico frustrado, melómano, admirador de Mozart, Rossini e Donizetti, o romancista Ian McEwan, para muitos o melhor escritor britânico da atualidade. Ian McEwan (Aldershot, 21 de Junho de 1948), chamado por vezes de “Ian Macabro”, devido à natureza das suas primeiras obras, e que de romance a romance se tem convertido em um dos mais conhecidos da sua geração. Seu romance "Reparação" foi adaptado para o cinema em 2007 com o título "Desejo e Reparação". 
O filme não é tão fiel à obra de McEwan, porém este é outro assunto. Nosso foco será na perspectiva da metalinguagem.

José de Sousa Saramago(1922 - 2010) foi um escritor, argumentista, teatrólogo, ensaísta, jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta português.
Foi galardoado com o Nobel de Literatura de 1998. Também ganhou. em 1995, o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa. Saramago foi considerado o responsável pelo efetivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa.
 Saramago foi conhecido por utilizar um estilo oral, coevo dos contos de tradição oral populares em que a vivacidade da comunicação é mais importante do que a correção de uma linguagem escrita. Todas as características de uma linguagem oral, predominantemente usada na oratória, na dialética, na retórica e que servem sobremaneira o seu estilo interventivo e persuasivo estão presentes.



Para dar continuidade ao nosso trabalho, primeiramente vamos definir o que seria a palavra metalinguagem. É formada com o prefixo grego -meta; que expressa as ideias de comunidade ou participação, mistura ou intermediação e sucessão, designa a linguagem que se debruça sobre si mesma. Por extensão, diz-se também: metadiscurso, metaliteratura, metapoema e metanarrativa. Em seu estudo sobre as funções da linguagem, Roman Jakobson considera função metalinguística quando a linguagem fala da linguagem, voltando-se para si mesma. Tal função reenvia o código utilizado à língua e a seus elementos constitutivos.
Dessa forma, em "A Viagem do Elefante", Saramago conta a história real de uma viagem épica de um elefante asiático chamado Salomão, no século XVI, que cruzou metade da Europa, de Lisboa a Viena. O autor cria uma ficção em que se encontram pelos caminhos da Europa personagens reais de sangue azul, chefes de exército que se vão às vias de fato e padres que querem exorcizar Salomão ou lhe pedir um milagre. O autor tem uma característica muito própria em suas narrativas, seja pela quase total ausência de pontuação, usando somente vírgulas para diferenciar os diálogos, o que analisamos como uma forma de dar realismo à fala em tempo real. Elas são anunciadas apenas por maiúsculas, após a vírgulas ou pontos. Os parágrafos são imensos, com frases entrecortadas por vírgulas. Agora as maiúsculas só aparecem para fundarem uma nova frase ou indicar uma fala, e não mais do que isso.
Outro detalhe cada vez mais presente na construção de suas narrativas é o recurso à abundantes empréstimos linguísticos, bem como a metalinguagem, que é aqui algo claramente assumido pelo narrador, que em várias passagens admite estar escrevendo um livro, ou estar produzindo um relato denominado-se como romancista. O narrador mostra uma ironia sobre o ato da poética, os valores da significação e sobre as intenções da escrita:
"(...) Em verdade vos direi, em verdade vos digo que vale mais ser romancista, ficcionista, mentiroso"

Já Ian McEwan escreveu um romance que discute o conceito de literatura enquanto interpretação de um mundo, de um personagem-autor, ao construir textos para defender a ideia de uma identidade literária na literatura Inglesa, voltando ao passado, precisamente a Inglaterra de 1935 prestes a entrar na Segunda Guerra Mundial. Para isso ele utiliza a personagem principal, Briony. Parece reiterar a ideia de se repensar a narrativa enquanto possibilidade de leitura do tempo e do espaço, assim como validade do conceito de "leitura de mundo"
McEwan além da metalinguagem se utiliza da intertextualidade citando várias obras literárias que transformam "Reparação" em um romance que discute a própria literatura e ao ato de escrever ao propor a interpretação das personagens sobre o que estão lendo: os cânones da literatura inglesa que começam por Samuel Richardson, Henry Fielding, Jane Austen, Henry James e Virginia Wolf. A conexão entre a literatura (espaço da criação) e o mundo (espaço da realidade).
Briony (protagonista) aspira a ser escritora, ensaia e reescreve "Arabella em Apuros" sua primeira obra baseada em suas percepções do que seria o amor. O ato de escrever estabelece o que irá conduzir Briony a uma série de descobertas sobre a realidade que não caberia na ficção. Reparar o mal causado é utilizado como confessionário que a escrita literária se propõe a partir da sua limitação.
Este recurso metalinguístico utilizado por McEwan que tanto intriga o leitor, nos mostra desde o início, que não estamos lendo o que um narrador onisciente escreveu ao relatar as desventuras dasventuras das personagens, mas o próprio relato de Briony em terceira pessoa e distanciado, quando ela termina de escrever "Reparação em 1999 e o finaliza com suas iniciais (BT). Depois de mais de trezentas páginas, o leitor percebe que o que foi escrito até então era fruto da "Mente" de Briony que se mistura ao narrador: Para mostrar esse recurso retiramos excertos da obra:

"[..] estive pensando em meu último romance, que deveria ter sido o primeiro[..] Cometemos um crime- Lola, Marshall e eu- e, a partir da segunda versão, resolvi narrá-lo. Achei que tinha a obrigação de não disfarçar nada- nomes, lugares, circunstâncias exatas, coloquei tudo no texto, por uma questão de exatidão histórica [..]"

"Pensar, tudo bem, escrever não [..] Não há reparação possível para Deus nem para os romancistas, nem mesmo para os romancistas ateus"

A escrita, nesse caso, é um processo ciado pela memória coletiva das personagens, por mais que o escritor se isole para escrever. Esse processo é uma tentativa de interpretação da "realidade" que não cabe inteiramente na literatura, ou seja, não é possível pensar em personagens como "seres reais", mesmo quando escritores buscam uma representação perfeita do pensamento humano


Dessa forma concluímos que ao compararmos as duas obras notamos que seus respectivos autores são prisioneiros de sua época, de sua atualidade. Os tempos posteriores os libertam dessa prisão. O autor usa a palavra literária para às vezes libertarem-se de suas angústias existenciais, o desconforto ante sua visão do mundo, em contrapartida do próprio mundo, o autor assim usa essa palavra literária por evasão, libertação de suas ideias, a cura dos seus anseios. Mas, também, o autor usa literatura como forma de denúncia, suas palavras já não precisam de bússolas para serem guiadas, por si só, já fazem o caminho direto. Isso pode ser notado no trecho do excerto de Saramago:

"[...] No fundo, há que reconhecer que a história não é apenas seletiva, é também discriminatória, só come da vida o que lhe interessa"